Cinco tendências do mundo pós-pandemia

O que deverá puxar o consumo em 2021?

Por Ricardo Almeida
Publicado em 01/09/2020

O tempo costumava ser linear. 

Sabia-se, ainda que com algum grau mínimo de incerteza, o que esperar. Sabia-se que determinadas tendências macroeconômicas impactariam de forma diretamente proporcional em demandas de consumo de todos os portes.

Sabia-se que o insaciável apetite humano por tecnologia puxaria novas versões de smartphones, de wearables, de apps. Que inteligência artificial aos poucos dominaria funções processuais, achatando custos para catapultar vendas. Que diversidade e sustentabilidade eventualmente se transformariam em valores universais inegáveis, multiplicando demandas em produtos e serviços que ainda seriam inventados, construídos, consumidos. 

Sabia-se de tudo isso. Sempre se soube. Faz tempo, aliás, que prever o futuro deixou de ser uma questão de "quê" e passou a ser uma questão de "quando". Para prever o futuro, costumava-se dizer, bastava olhar para o presente e tirar dele tudo o que não fizesse sentido. Era uma fórmula simples, óbvia, e que funcionava.

Só não se sabia que o tempo poderia deixar de ser linear da noite para o dia.

A revolução do isolamento interconectado

Segundo esse relatório da McKinsey, o hábito de consumo eletrônico nos Estados Unidos cresceu o equivalente a dez anos nos primeiros três meses da pandemia. No Brasil, onde o e-commerce tem ainda um espaço tão maior para ocupar que os nossos vizinhos norte-americanos, esse salto deve ter sido ainda mais explosivo. 

E isso, por si só, já inicia uma realidade totalmente diferente da que predominava na pré-pandemia: o hábito de se comprar online significa o entendimento de que todas as barreiras físicas entre demanda e oferta evaporaram na velocidade de um clique. Isso é revolucionário. 

Somem, agora, outros efeitos colaterais da quarentena. 

Como as saudades de entes e amigos que ficaram tão inalcançáveis por tantos meses. O valor do tempo de convívio físico se multiplicou na mesma medida da tolerância por eventuais diferenças e divergências que, em algum momento do passado, podem ter causado algum tipo de afastamento ou desgaste de relacionamento. 

Ou a intimidade que se impôs aos núcleos familiares mais imediatos, que dividiram o mesmo espaço na quarentena. A intimidade familiar se redefiniu. 

Ou, ainda, a própria vontade de sair para mergulhar na natureza, expressada pelos milhões de belíssimos entardeceres infinitamente transmitidos via Instagram.  

Não é mais possível prever o futuro com a mesma frugalidade com que se agia no passado pelo simples fato de que o tempo se dilatou, explodiu-se em si mesmo e atingiu a todos com estilhaços de novas realidades. 

Daqui para a frente, afinal, o futuro não será mais feito de novas versões para velhos hardwares. O futuro, com toques de imprevisibilidade dignos das eras de grandes revoluções, será consequência direta desse Big Bang introspectivo que todos vivemos. 

E, ainda que não seja possível cravar os próximos passos da humanidade com o mesmo grau de certeza que pregávamos no passado, é possível arriscar, com base nessas simples observações, ao menos cinco palpites do que mais moverá as decisões de consumo quando o Coronavírus deixar de ser uma ameaça e levar consigo as máscaras e medos de contágio pelo contato.

Os cinco caminhos mais prováveis para o futuro 

1) Intimidade no lugar de privacidade.

Sim, privacidade é importante e não é isso que está em discussão aqui. O ponto é outro: poucos momentos na história da humanidade conseguiram provar, de maneira tão indiscutível, o quanto somos emocionalmente dependentes das nossas próprias conexões. E, se o isolamento decorrente da privacidade absoluta era um dos grandes temas do passado pré-pandêmico, a capacidade de se construir conexões verdadeiras passará a determinar nossas decisões de consumo. Isso abre espaço para uma gama praticamente infinita de produtos e serviços, físicos e digitais, voltados para incentivar o que se pode chamar de microssocialização, ou socialização em grupos mais íntimos.

2) O mundo como casa.

Meses de isolamento fizeram explodir desejos quase incontroláveis de se expandir os horizontes para muito além das nossas quatro paredes. E isso deve ser entendido de maneira ampla: de viagens a continentes longínquos a jantares em pequenos restaurantes exóticos, passando ainda por experiências de qualquer natureza – desde que marcantes e pouco tradicionais – encontrarão terreno fértil.  

3) A casa como mundo.

Da mesma forma, meses confinados a quatro paredes aguçaram a percepção de que é em torno de nossa casa que o nosso mundo gira. Se é para lá que sempre voltamos, se é a partir de lá que, ainda que de maneira parcial, trabalharemos no novo normal, transformá-la em um ambiente confortável o suficiente para nos fazer feliz passou a ser questão de primeira necessidade. 

4) A cidade como opção.

Toda a história da humanidade foi feita de migrações para grandes centros, para metrópoles que conseguiam reunir oportunidades de trabalho e crescimento compatíveis com a ambição por uma vida melhor. Mas o que acontece quando a Internet, democratizada pela pandemia e às vésperas da revolução do 5G, faz todas as distâncias evaporarem? Sim, os grandes centros sempre terão os seus atrativos e dificilmente perderão o posto de grandes motores sócio-político-culturais... mas já não é mais tão essencial que todos vivamos apinhados em urbes desordenadas, perigosas e caras. Hoje, mais do que nunca, pode-se escolher trabalhar de onde quiser – o que significa que mudanças migratórias importantíssimas devem eclodir por todo o mundo. 

5) A opção como condição.

 Mais importante que tudo isso – a conexão com terceiros, o apetite pelo mundo, a construção de um lar perfeito ou a migração para a cidade dos sonhos – está a palavra mais importante do futuro: opção. Essa é a maior lição que a humanidade está aprendendo: seu poder de escolha é determinante para moldar o futuro, seja individual ou coletivamente. E sim: isso inclui desde as grandes escolhas políticas que definirão a sociedade até a miríade de pequenas escolhas cotidianas responsáveis por desenhar o tão valioso sorriso. E quem aprende o poder da escolha passa a exigir variedade, diversidade, opção. Para absolutamente tudo.

Cada uma dessas opções, frise-se, carrega uma revolução dentro de si. Cada uma delas puxa mudanças bruscas não apenas em comportamentos individuais, mas também (e principalmente) na própria teia social a qual estávamos já tão acostumados. Para profissionais e empresas de qualquer que seja o setor, elas desenham também um número de oportunidades compatível com a missão tão complexa de reconstruir o próprio conceito de vida. 

Simples, não será. Mas, paradoxalmente, também não será uma opção para ninguém: ou se aceita e se abraça essas mudanças ou se dá adeus ao mercado de trabalho. Em qualquer que seja o setor.