Lições de transparência, escuta e ousadia

Oformato do Web Summit já é bastante conhecido: players gigantes e sempre interessantes do mercado de tecnologia fazendo palestras rápidas (de 15 a 35 minutos) e muita, mas muita troca de experiências entre os participantes. Negócios sendo fechados, parcerias começando e novas amizades se formando. Procurei me focar na trilha Panda Conf, voltada à comunicação […]

Por Rodrigo Telles
Publicado em 11/01/2021

Oformato do Web Summit já é bastante conhecido: players gigantes e sempre interessantes do mercado de tecnologia fazendo palestras rápidas (de 15 a 35 minutos) e muita, mas muita troca de experiências entre os participantes. Negócios sendo fechados, parcerias começando e novas amizades se formando. Procurei me focar na trilha Panda Conf, voltada à comunicação e cases de marcas.

Em 2020, o desafio foi transformar tudo isso em digital. E imagino que não tenha sido uma missão fácil: foram mais de 150 mil participantes, com salas de debates e chats com os palestrantes, tudo ao mesmo tempo. E foi um sucesso. Com alguns pequenos ajustes durante o evento, principalmente de usabilidade, a plataforma se saiu muito bem. Painéis, lotados ou não, funcionavam quase sem problemas e no horário previsto.

O Web Summit cumpriu com o que se esperava: conteúdos, troca de experiências e dicas importantíssimas para o nosso mercado. As palestras de 15 minutos, embora pareçam pouco tempo, não foram um fator limitante para a compreensão das mensagens. Afinal, já estamos acostumados com mensagens rápidas, tweets, vídeos de segundos, elevator pitches. Não se perdeu, portanto, o objetivo do evento: conhecimento.

Uma característica que roubou a atenção deste ano foi o fato de transitar entre painéis e discussões em apenas um clique. Foi realmente muito interessante. E o que não faltou foram personalidades relevantes de várias áreas da comunicação humana, como Ridley Scott, Sir Tim Berners-Lee, Nile Rodgers, Jim Lee, Martin Sorrell e outros. O resultado desses encontros? Conteúdos incríveis que tento de maneira bastante resumida compilar em três mensagens para levarmos para casa:

Transparência

Ainda na ativa, o inventor do WWW, Sir Tim Berners-Lee, mostrou-se preocupado com o uso inadequado dos dados pessoais dos cidadãos. Ele se juntou com cientistas do MIT, e estão desenvolvendo uma plataforma para o projeto Solid, que já tem dois clientes onboard: BBC e NHS, que propõem uso personalizado dos dados dos cidadãos. Com atitudes como essa, e o Sir envolvido, acredito que voltaremos a confiar na internet como no princípio. A transparência e o uso adequado dos dados foram muito discutidos em outros painéis durante todo o evento. Lembro que no SXSW, em 2017, a questão do uso de dados era como se não existisse. Parecia que havíamos superado as questões éticas e já estávamos em um outro nível para sua utilização.

Outros painéis trouxeram essa preocupação, com exemplos de que, quando a empresa se propõe a ser transparente em usar os dados pessoais, a aderência pode ser ainda maior. Foi o que apresentou Barbara Martin Coppola, da Ikea, compartilhando o sucesso de adesão ao novo app da companhia.

Depois de alguns escândalos e da pandemia, ainda há muito o que se debater sobre isso. A mensagem aqui é: uso de dados, inteligência de negócios, junto com mídia, planejamento e tecnologia serão sempre importantes para se criar campanhas mais do que criativas: relevantes — respeitando sempre a privacidade e escolha dos cidadãos.

Escuta ativa

Como transformar uma marca, ouvir o que as pessoas têm a dizer e ser um caminho de interação tão importante quanto o CRM? Com mais tempo livre, as pessoas tiveram uma mudança de comportamento, adotando novos hábitos. E sempre é necessário se inserir no contexto da mudança e entender como sua marca pode se relacionar com assuntos que não são apenas de seus interesses, engajando-se de uma maneira contínua com o consumidor de uma forma mais dinâmica.

A empresa não pode ficar parada com a mesma mensagem todo tempo, pois o mundo está mudando constantemente, “adaptando-se com o avião no ar”, segundo Emily Heyward (Red Antler), Winnie Lee (Appier) e Bill Magnuson (Braze). Nestes tempos, é muito mais importante ouvir seus consumidores do que só olhar os dados. Assim, as pessoas revelam como elas interagem com sua marca e pode-se tornar mais relevante ao ser responsivo e interativo. É necessário entender o macro e o micro para decidir quais ações serão tomadas.

O usuário está no poder, isso é importante. E muito. Saber ouvir é a chave do negócio. Isso porque uma coisa leva à outra: quanto mais se ouve, mais se conhece seus clientes; e quanto mais os conhece, mais sucesso. Parece fácil? Mas não é mesmo! Transformar esse canal em uma conversa e, depois, em um relacionamento requer muita maturidade das empresas.

Não tenha medo de ousar

Esse sentimento pode, muitas vezes, se perder no dia a dia agitado das empresas. Mas uma apresentação em particular nos deu um fôlego. Fernando Machado, do Burger King, fez uma ligação entre as ações de sua marca e os mergulhadores de Acapulco, que pulam de rochedos enormes, sem equipamentos, apenas com a coragem. Uma história muito bem contada, que nos chamou a atenção de que a criatividade está em todos os lugares — basta ficarmos atentos. Revelou ainda como a insegurança, incerteza e até mesmo o medo devem fazer parte da nossa rotina criativa para criarmos campanhas cada vez mais relevantes. Em outros momentos, como no mercado fonográfico, isso também aconteceu. o mercado de streaming vai muito bem e, agora, remunera com muito mais justiça os compositores. Situação que os grandes players desse mercado abominavam e, hoje, colhem os frutos dessa nova realidade.

Enfim, foi uma aventura acompanhar um montão de palestras, quase que simultaneamente. E, ainda assim, conseguir assimilar e trazer para vida conceitos e preocupações que, até então, pareciam estar só comigo — mas que, quando se vê, estão pelo mundo todo.

Publicado originalmente em 11/01/2021  no Meio e Mensagem.