Dentre todas as milhões de mudanças catalisadas pela pandemia, a maneira de se entender e lidar com o Tempo (assim mesmo, com "T" maiúsculo) talvez tenha sido a mais significativa. Não falo aqui no sentido cronológico, naturalmente: um minuto continuará (eternamente) sendo um minuto, onde quer que estejamos. Mas a cronologia é, de certa forma, irrelevante: o que conta mesmo é a forma com que lidamos com esse minuto, é a quantidade de experiências e a qualidade dos momentos que conseguimos absorver.
A humanidade pós-pandemia parece guiar-se, de maneira extremamente objetiva, por uma busca generalizada de qualidade de vida. Não é preciso muito esforço para detectar as origens dessa busca: a expectativa coletiva pela vacina contra a Covid-19, a ansiedade gerada pelos lockdowns, as saudades impostas pelo isolamento e o cansaço da eterna espera fizeram a humanidade entender que qualidade de vida depende muito mais da nossa capacidade de acumular e processar experiências do que de apenas colecionar minutos, horas, dias ou anos. Ser feliz, de certa forma, passou a ser muito mais importante do que viver uma vida longa.
E, sendo absolutamente prático, qual a melhor (senão única) maneira de se otimizar ao máximo a nossa capacidade de aproveitar cada minuto que a vida tem a nos oferecer? Utilizando a tecnologia para nos ajudar a coordenar, de maneira transparentemente simbiótica, o nosso Tempo.
A Internet das Coisas virou coisa do passado
Até pouco tempo, conceitos como o IoT (Internet of Things, ou "Internet das Coisas") dominavam as previsões de inovação tecnológica, ao entregar para pessoas comuns aparelhos capazes de agregar praticidade e segurança a cada uma de suas escolhas.
Pulseiras que traduzem batimentos cardíacos em uma miríade de dados sobre performance, como a Whoop, entregaram a atletas dados práticos e ricos o bastante para que eles pudessem escolher, conscientemente, ajustar as suas próprias rotinas e extrair delas performances superiores.
A August Doorbell Cam, uma espécie de "olho mágico" integrado à fechadura e controlado a partir de um aplicativo, deu segurança e controle de acesso a milhares de donos e donas de casa.
O Amazon Echo permitiu toda uma série de automações domiciliares programadas ou acionadas por comandos de voz.
Mas todos esses exemplos, na prática, são essencialmente formas de se ampliar o controle consciente das pessoas sobre todas as coisas que as cercam. Eles facilitam, mas não eliminam, o imenso conjunto de escolhas cotidianas que todos temos de fazer.
Você das Coisas
Tudo muda, no entanto, quando a tecnologia deixa de apenas nos entregar dados e passa a efetivamente a tomar decisões importantes por conta própria, sem sequer nos consultar.
É o caso do CradleWise, uma startup de inteligência artificial focada na otimização de um dos momentos mais importantes do desenvolvimento humano: o sono.
Trata-se de um berço automatizado que, em pouco tempo, aprende os hábitos do bebê que nele dorme e passa a tomar toda uma série de decisões autônomas para garantir a qualidade do sono.
Dependendo do perfil do choro do bebê em um determinado ponto da noite, por exemplo, o próprio berço inicia um movimento de balanço compatível com o estágio do sono em que estiver, inicia canções de ninar mais efetivas e garante que ele volte a dormir rapidamente para que mente e corpo possam aproveitar melhor essa que é uma das mais fundamentais fases do desenvolvimento infantil.
Sim: há um aplicativo vinculado que entrega para os pais toda uma miríade de dados e possibilidades de customização. Mas o mais importante aqui é que, independentemente disso, o próprio berço interpreta situações e toma decisões sem nenhuma necessidade de intervenção humana.
Onde está a revolução?
Pergunte a qualquer pai ou mãe como é dormir noites inteiras com um bebê no quarto ao lado e você terá uma resposta. Pergunte a qualquer pediatra sobre a importância de boas noites de sono para o desenvolvimento infantil e você terá outra. Ambas, no entanto, confirmarão o óbvio: corpo e mente descansados são sempre fundamentais para uma boa qualidade de vida.
A tecnologia, portanto, já passou da fase de entender o comportamento humano, com o objetivo de entregar dados e recomendar opções, escolhas de vida. Esse futuro, por assim dizer, já é coisa do passado. A tecnologia, hoje, vai além de nos compreender e de nos descrever para nós mesmos: ela já decide em nosso nome, sem que sequer percebamos.
E não: esse tipo de interação autônoma máquina-homem não é uma exclusividade da Cradlewise. Outros sistemas autônomos já coexistem conosco há alguns muitos anos. Mas pouquíssimos extrapolaram as pequenas tarefas cognitivas cotidianas para interferir diretamente em uma das mais fundamentais relações humanas — o ato mecânico de ninar um bebê — como essa startup.
São casos assim que tangibilizam revoluções e confirmam os rumos do futuro.
Quais as portas que se abrem?
Até pouco tempo, o futuro era pintado como uma utopia onde a humanidade poderia exercer o seu livre arbítrio com base em incontáveis sistemas desenvolvidos para interpretar cenários e recomendar hipóteses.
Escolha em excesso, no entanto, cansa. Escolha em excesso significa tempo demais desnecessariamente cogitando, pensando, decidindo. E, se o Tempo é um elemento mais qualitativo do que quantitativo, como a pandemia já nos provou, por que não exigir que a tecnologia nos liberte do fardo de ter tantas escolhas e nos deixe, assim, mais disponíveis para simplesmente curtir a vida?
Sistemas de inteligência artificial ativa, que tomam decisões que costumavam ser relegadas exclusivamente à consciência humana, tendem a dominar o futuro por um único, simples e óbvio motivo: eles nos permitem concentrar melhor as nossas energias no que descobrimos ser mais sagrado: a qualidade, e não a quantidade, do Tempo que temos.
Artigo publicado originalmente no Mundo do Marketing.